sexta-feira, junho 30, 2006

CAVALOS REAIS DA BAIXA POMBALINA

Dois cavalos com os seus respectivos Reis cavalgam sem parar pela Baixa Pombalina de Lisboa.
Por mais que se esforcem, não saiem do mesmo sítio.
Cada um domina a sua Praça e o imaginário de histórias passadas. Os paradoxos não se ficam por aqui, pois o Rei mais antigo chegou por último.
O mais moderno é o mais antigo: O cavalo da Praça do Comércio com o Rei D. José I é criação de Machado de Castro e foi inaugurado em 27 de Maio de 1775.

Já o seu congénere da Praça da Figueira, com El Rei D. João I, só lá está desde 1971 e foi executado por Leopoldo de Almeida.
Enfim, ser Rei a cavalo na Baixa Pombalina de Lisboa não é privilégio para uma qualquer cabeça coroada, sendo requisito aparente que as respectivas graças se iníciem por J.
Curiosamente, quando chegou à Figueira em 1971, o Mestre de Aviz - coroado Rei em 1384, quedou-se pelo centro da dita Praça. O rearranjo do local associado à construção de um estacionamento subterrâneo recolocou D. João I mais a poente, orientado no eixo da rua da Prata. Uma das muitas intervenções de um outro João, republicano e laico, de apelido Soares, quando Alcaide de Lisboa.

Fotografias e texto de Luís Miguel Correia - 2006

terça-feira, junho 27, 2006

JARDIM FERNANDO PESSA




Um encontro numa geladaria da Av. de Roma conhecida pelas suas cassatas deliciosas. Chegar antes da hora para contrariar hábitos ancestrais de disfunção horária e um passeio para queimar tempo por ali perto sem destino. Espreito com nostalgia a fachada do cinema Roma promovido a Assembleia Munícipal com direito a viaturas oficiais para os depureadores e polícias em excesso à porta e com curiosidade foco a minha atenção para nascente.
E ali está, escondido entre traseiras de prédios português suave virados à Av. de Roma, uns, à Av. de Madrid outros, um jardim. Uma placa diz chamar-se Jardim Fernando Pessa. E esta, hem? O jornalista lendário das emissões da BBC sob bombas dos maus nazis e das milhentas reportagens na RTP homenageado com um jardim secreto a lembrar aqueles pedaços de green espalhados entre casinhas iguais nos bairros discretos de Londres. Não fosse o sol de Lisboa.
Texto e fotografias de Luís Miguel Correia - 2006

sábado, junho 24, 2006

TRAZIAS DE LISBOA


Trazias de Lisboa o que em Lisboa
é um apelo do mar: um mais além.
Trazias Indias e naufrágios. Fado e Madragoa.
E o cheiro a sul que só Lisboa tem.

Trazias de Lisboa a velha nau
que nos fez e desfez (em Lisboa por fazer).
Trazias a saudade e o escravo Jau
pedindo por Camões (em Lisboa a morrer).

Trazias de Lisboa a nossa vida
parada no Rossio: nau partida
em Lisboa a partir (Ó glória vã
não mais não mais que uma bandeira rota).

Trazias de Lisboa uma gaivota.
E era manhã.

Poema de Manuel Alegre in Coisa Amar. Foto de L.M.Correia - 2006

segunda-feira, junho 05, 2006

PASSAGEM DE NÍVEL DA ROCHA


Lisboa tem sido uma presença fundamental na minha vida. Gosto muito da cidade em todos os seus aspectos, com ênfase para a vertente marítima, e fluvial. Porque para mim, o Tejo é a alma de Lisboa.

Muitas doces memórias mais remotas têm esta Lisboa como cenário. Uma delas, cheia de cores - as dos navios de então, prende-se com a passagem de nível da 24 de Julho à Rocha do Conde de Óbidos.

A partir de 1963, com a ida para o colégio, a passagem por lá todas as tardes era um ponto alto no itinerário da velha Magirus azul e branca do Externato Marista de Lisboa, conduzida com mestria pelo Sr. Baptista. Na época o traçado da avenida 24 de Julho não diferia muito do actual, mas o ritmo e a orgânica era outra. Polícias sinaleiros nos diversos cruzamentos e três passagens de nível, em Santos, na Rocha e em Alcântara. Para além de duas outras mais à frente, em Belém e Pedrouços. Todas entretanto suprimidas, excepto a da Rocha, que permanece com serventia apenas para peões. Como se pode observar nas fotografias, obtidas dia 19 de Maio.

Os edifícios são os mesmos, os combóios também. Em dias de paquetes atracados à Estação Marítima da Rocha, para além dos utentes habituais regista-se a presença animada de muitos turístas. E dos carteiristas que os tentam roubar.

Dia 19 o navio atracado era o SAGA ROSE, um paquete de 24.528 toneladas de arqueação bruta e 188,9 metros de comprimento, sensivelmente as mesmas dimensões e aspecto dos nossos saudosos SANTA MARIA e VERA CRUZ, que até 1973 atracavam sempre na Rocha. O SAGA ROSE foi construído em França em 1965 para a Norwegian America Line com o nome SAGAFJORD, e veio muitas vezes a Lisboa em cruzeiro com o nome original. Pertence à Saga Holidays, de Inglaterra, desde 1997 e faz cruzeiros destinados especialmente a passageiros com mais de 50 anos.

O meu regresso a casa todas as tardes tinha como primeiro atractivo a descida da avenida D. Carlos I, o Cais de Santos ao fundo sempre com uma chaminé amarela da Insulana à vista. Um dos paquetes mais antigos, o LIMA ou o CARVALHO ARAÚJO, mas também o CEDROS ou o FUNCHAL, mais raramente. O Cais de Santos incluia então o terminal privativo da Empresa Insulana, que assegurava as ligações marítimas com a Madeira e os Açores. Para além da Insulana, havia no extremo montante de Santos, o Cais do Gás, onde atracava o CORVO da Mutualista Açoreana, e para jusante, o entreposto de Santos, dedicado a cargueiros que faziam habitualmente a carreira do Norte da Europa, muitos dos quais alemães ou holandeses.

A Santos seguia-se o Estaleiro Naval da AGPL, com as carreiras de construção activas e os cascos das fragatas ALMIRANTE PEREIRA DA SILVA e ALMIRANTE GAGO COUTINHO a crescer de imponência com o decorrer dos dias. E finalmente passavamos frente ao Cais da Rocha e Doca de Alcântara. Então bem mais interessantes em termos de vida marítima que actualmente. Dessas passagens recordo com muita nitidez o EMPRESS OF BRITAIN, da Canadian Pacific, com a sua chaminé amarela magnífica e o MAURETANIA, da Cunard, então pintado de verde, como o CARÓNIA. E havia sempre os habituais, como os grandes paquetes da Colonial, os navios da companhia Itália, os espanhóis da Ybarra, os paquetes da Mala Real, Blue Star Line, P&O e British India. Tantos navios. Muitas saudades.

Fotografias e texto de Luís Miguel Correia - 2006