sábado, abril 22, 2006

ODE MARÍTIMA ( I )


Perde-te no Longe, no Longe, bruma de Deus,
Perde-te, segue o teu destino e deixa-me...
Eu quem sou para que chore e interrogue?
Eu quem sou para que te fale e te ame?
Eu quem sou para que me perturbe ver-te?
Larga do cais, cresce o sol, ergue-se ouro,
Luzem os telhados dos edíficios do cais,
Todo o lado de cá da cidade brilha...
Parte, deixa-me, torna-te
Primeiro o navio a meio do rio, destacado e nítido,
Depois o navio a caminho da barra, pequeno e preto,
Depois ponto vago no horizonte (ó minha angústia!),
Ponto cada vez mais vago no horizonte...,
Nada depois, e só eu e a minha tristeza,
E a grande cidade agora cheia de sol
E a hora real e nua como um cais já sem navios,
E o giro lento do guindaste que, como um compasso que gira,
Traça um semicírculo de não sei que emoção
No silêncio comovido da minh' alma...

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

cujo espírito ontem navegou no Tejo comigo envolto em águas cinzentas a fazer deslizar um grande casco negro rumo às brumas marinhas do Longe... Edição de texto e fotografia de Luís Miguel Correia no rio ao entardecer de 21 de Abril de 2006.

ODE MARÍTIMA ( II )

Ó fugas contínuas, idas, ebriedade do Diverso!
Alma eterna dos navegadores e das navegações!
Cascos reflectidos devagar nas águas,
Quando o navio larga do porto!
Flutuar como alma da vida, partir como voz,
Viver o momento tremulamente sobre águas eternas.
Acordar para dias mais directos que os dias da Europa,
Ver portos misteriosos sobre a solidão do mar,
Virar cabos longínquos para súbitas vastas paisagens
Por inumeráveis encostas atónitas...

Palavras de Fernando Pessoa na sua Óde Marítima, com o QUEEN ELIZABETH 2 a descer o Tejo. Ontem, 21 de Abril de 2006. Fotografia e edição de texto de Luís Miguel Correia

quinta-feira, abril 13, 2006

RIO VERDE


(DUAS DA TARDE: LISBOA À VISTA)


Primeiro, a água era azul:

puro espelho celeste.

Depois, tornou-se verde:

opaco verde de desgosto.

Agora é barro dissolvido:

terra

de Portugal que o Tejo incita

a descobrir as Índias

e Américas ainda

por encanto encobertas.

- De quem o lenço acena,

acolá

do cais?

Poema de Pedro da Silveira - Março e Abril de 1951

Fotografia do GATO PARDO - 12 de Abril de 2006

Especialmente para a ZÉNI

segunda-feira, abril 10, 2006

PÁTIO DO PRIOR








Um Pátio perdido na Almada Velha, paredes meias com o cenário do Romeiro, ombro no ombro de Dom João de Portugal. Uma localização soberba sobre o Tejo e Lisboa. Património vivo porque habitado. Mas morto por ignorado. Vale a pena percorrer as ruas, os pátios, a colina e os miradores de Almada Antiga. Aqui tão perto e tão afastado no tempo, que parou algures, e percorrer o espaço de Dom António, com o respeito pela sua causa perdida e só mais tarde resgatada.

Texto e fotografias de Luís Miguel Correia - 2006

quarta-feira, abril 05, 2006

O Tejo bate como que à porta



Entre a poeira

do dia surdo,

negro garoto

lambe o gelado.

É um polícia

que vem saber

porque é que dói

a solidão?

O Tejo bate

como que à porta,

calam pessoas

sua chamada.

Poema de Pedro Tamen

Fotografia de Luís Miguel Correia